Pesquisa de qualidade, não de quantidade
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Em reunião da SBPC, representantes de agências de
fomento à pesquisa
apontam necessidade de estimular, nas análises de
mérito, a qualidade dos
trabalhos publicados por cientistas
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Por Elton Alisson, de Recife
Depois de crescer em quantidade, a ciência brasileira
enfrenta o desafio de melhorar a qualidade e aumentar seus impactos científico,
social e econômico. Para isso, são necessárias, entre outras medidas, mudanças
nos critérios de avaliação de pesquisadores e de instituições adotados pelas
agências de fomento à pesquisa do país.
A análise foi feita por integrantes de uma mesa-redonda sobre “Impacto e
avaliação da pesquisa”, realizada na terça-feira (23/07), durante a 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Recife
(PE).
O encontro teve a participação de Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor
científico da FAPESP, Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Jorge Almeida Guimarães,
presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
De acordo com dados apresentados por Brito Cruz, desde 1980 vem aumentando o
número de artigos científicos publicados por autores do Brasil. “Isso indica um
avanço inconteste do sistema de ciência brasileiro, especialmente se levarmos em
conta que é um sistema tardio [em comparação com países com tradição
científica] e que ainda enfrenta grandes dificuldades”, disse Brito
Cruz.
Mas o impacto dos artigos científicos brasileiros – medido pelo número de
vezes que o trabalho é citado por outros pesquisadores – ainda é baixo. “Ao
longo de sua história, a ciência feita no Brasil, na média, tem tido pouca
repercussão internacional, atingindo 60% da média do impacto científico do
restante do mundo”, ponderou Brito Cruz.
Um dos fatores apontados pelos participantes da mesa-redonda como responsável
pelo baixo impacto da ciência feita no Brasil é a pouca cooperação de cientistas
brasileiros com pesquisadores do exterior.
Segundo dados apresentados pelo diretor científico da FAPESP, nos últimos
anos diminuiu muito a cooperação internacional dos cientistas brasileiros,
evidenciada pela queda de 40% para 27% da publicação de trabalhos em
coautoria.
“Esse é um dos menores percentuais de coautoria em artigos científicos
observado hoje em países que fazem ciência e almejam ter alguma relevância no
cenário científico mundial. É importante recuperarmos nossa capacidade de
colaboração científica porque isso ajuda a aumentar o impacto”, disse Brito
Cruz.
O Brasil publica muito mais trabalhos na área de ciências de plantas e
animais, por exemplo, do que a Coreia do Sul. O impacto científico dos artigos
científicos publicados pelos pesquisadores sul-coreanos nessa área, no entanto,
é superior ao dos trabalhos publicados por brasileiros.
Em Física – área na qual a Coreia do Sul aumentou muito nos últimos anos sua
quantidade de artigos publicados e o Brasil estacionou um pouco –, o impacto dos
trabalhos publicados por cientistas brasileiros em 2012 cresceu mais do que o
dobro da média mundial.
“Isso tem relação com a participação do Brasil nas grandes colaborações
internacionais que há na área da Física [como os realizados no Grande Colisor
de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa
Nuclear (Cern), na Suíça]. Esses trabalhos geram artigos muito citados na
comunidade científica internacional porque têm muitas ideias fundamentais”,
disse Brito Cruz.
Guimarães, por sua vez, destacou que os outros países latino-americanos
colaboram mais com nações europeias e com os Estados Unidos do que com o Brasil.
“O Chile tem seu observatório astronômico. Por isso, todo o mundo colabora com
eles e o fator de impacto dos artigos científicos deles é mais alto. O Brasil se
descuidou da colaboração científica internacional”, disse.
As universidades brasileiras também exercem pouca influência científica em
comparação com instituições congêneres na Europa e nos Estados Unidos, destacou
Brito Cruz. “É preciso que as universidades brasileiras progridam mais em termos
de impacto científico mundial”, disse.
Ações necessárias
Uma das ações indicadas por Brito Cruz para aumentar o impacto da ciência
feita no Brasil é proteger o tempo do pesquisador contra tarefas
extracientíficas – como o preenchimento de relatórios para prestação de contas.
Segundo ele, há poucas universidades no Brasil com escritórios voltados para
auxiliar pesquisadores em tais tarefas, a exemplo do que fazem os Grants
management offices nos Estados Unidos.
“As agências que financiam a pesquisa no Brasil precisariam cobrar muito mais
das instituições de ensino e de pesquisa no momento em que se concede
financiamento a um projeto, com relação à questão da proteção do tempo do
pesquisador contra tarefas extracientíficas”, ressaltou Brito Cruz. “Não é
possível obter crescimento de impacto se não dermos aos pesquisadores
brasileiros condições similares de trabalho às que seus colegas nas
universidades de Stanford ou de Oxford, por exemplo, possuem”, frisou.
Outras medidas sugeridas são aumentar a cooperação internacional, a
visibilidade e o impacto das revistas científicas publicadas pelo Brasil – uma
vez que 33% dos artigos científicos de autores brasileiros saem em periódicos
nacionais –, e valorizar a qualidade, em detrimento da quantidade, dos artigos
científicos publicados por pesquisadores na análise de seus projetos de pesquisa
na hora de conceder financiamento ou na promoção de cargo, entre outras
situações.
A necessidade dessa mudança de critério de avaliação de pesquisadores também
foi ressaltada por Oliva. “Ao premiarmos a quantidade, em detrimento da
qualidade dos trabalhos publicados, podemos sinalizar uma direção errada,
desencaminhar os jovens pesquisadores e, eventualmente, contribuir para acomodar
cientistas seniores naquilo que aprendemos rapidamente a fazer, que é publicar”,
disse.
A mudança de critério de avaliação da qualidade dos trabalhos científicos
publicados, em vez da quantidade, não implicará na diminuição do número de
publicações, avaliou Oliva.
“Temos que superar a ideia de que quantidade e qualidade são necessariamente
opostas. É possível manter a produção científica brasileira atual e, ao mesmo
tempo, almejar mais”, afirmou. FONTE: FAPESP, 25/07/2013
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