Autores cujo idioma nativo não é o inglês e editores, avaliam dificuldades e desafios para publicar em periódicos internacionais







                        Tem sido observado nos últimos anos um aumento de artigos escritos por autores de nações emergentes, liderados pela China e países do Leste da Ásia, publicados em periódicos de prestígio internacional, ameaçando o domínio norte-americano na ciência.   Entre 2001 e 2011 o número de publicações da China em periódicos arbitrados subiu de 3% para 11% do total mundial.
                         Este fenômeno vem sendo objeto de muitos estudos, tendo em vista seu impacto no cenário da publicação científica mundial. Todavia, autores de países cuja cultura e idioma nativo não são o inglês (INNI) enfrentam dificuldades adicionais em redigir e submeter seus artigos a periódicos internacionais, uma vez que o inglês se estabeleceu como língua franca da ciência mundial. Por outro lado, editores de periódicos internacionais veem-se confrontados com números crescentes de artigos de autores de países INNI, os quais muitas vezes reportam bons resultados, ocultados por redação pobre, escopo inadequado, ou falhas decorrentes da não compreensão das instruções aos autores e outras normas.
                         Inúmeras questões emergem deste cenário. Os desafios enfrentados por autores e editores são específicos de uma determinada região de países INNI ou estas são comuns a várias regiões? A área do conhecimento exerce influência? Questões éticas como plagiarismo ou publicação-salame são frequentes? Com o intuito de responder a estas e outras questões, uma empresa sediada na Índia que oferece serviços de tradução no idioma inglês e serviços de apoio à editoração de artigos para autores de países INNI realizou duas pesquisas por meio de questionários. A primeira com autores da China, Japão e Coreia do Sul e a segunda com editores de periódicos internacionais de prestígio, principalmente na Europa e Estados Unidos, editados totalmente em inglês. Os resultados dos questionários foram confrontados e permitem traçar um interessante painel dos principais atores do processo da comunicação científica.
                     A pesquisa recebeu questionários completos e incompletos de autores e editores. Em média, cada país – China, Japão, e Coreia do Sul – enviou cerca de 100 respostas completas. Os editores internacionais enviaram pouco mais de 50 respostas completas, avaliadas pelo autor do artigo como representativas da população alvo das pesquisas.
                     Uma fração de 98% dos autores indicou o inglês como sua segunda língua, e 93% indicaram estar trabalhando na Ásia no momento da pesquisa, e 61% atuam na área de ciências da vida, 14% em ciências físicas e 25% em outras áreas, que incluem química, ciências ambientais, ciências dos materiais e ciências humanas. A maior parte deles (56%) declarou ter publicado menos de cinco artigos em periódicos internacionais. Dezenove por cento publicaram entre cinco e dez artigos e 26% mais de dez artigos nestes periódicos.
                     Dos editores que responderam ao questionário, foram incluídos apenas aqueles que declararam estar diretamente envolvidos na seleção de artigos submetidos e na tomada de decisões editoriais. Destes, 77% declararam possuir mais de cinco anos de experiência como editor; 18% entre um e cinco anos; e apenas 5% menos de um ano como editor. A grande maioria (63%) declarou que seus periódicos estão baseados nos Estados Unidos; 13% no Canadá; 4% na Holanda ou Nova Zelândia e o restante em outros países. Destes editores, 45% avaliam seus periódicos como pertencentes aos 5% melhores em suas áreas de atuação (avaliação independente de Fator de Impacto), 29% entre os 6-25% melhores e apenas 7% avaliam seus periódicos entre os 50% menos qualificados. Dos editores de periódicos respondentes, 67% afirmam receber menos de 20% das submissões originadas de países do leste Asiático.
                     A segunda parte da pesquisa comparou aspectos do processo de publicação e sua importância relativa para autores e pesquisadores. Esta análise é particularmente importante para apontar os aspectos críticos em um manuscrito que faz com que ele seja aceito ou rejeitado. Autores e editores foram solicitados a ranquear com valores numéricos aspectos considerados chave em um artigo: preparação do manuscrito, processo de peer review, processo de submissão, seleção do periódico, e aspectos éticos.
                    Autores e editores forneceram rankings comparáveis para a maior parte dos tópicos relacionados acima. Ambos concordam que o aspecto mais desafiante é a preparação do manuscrito, porém avaliaram como pouco desafiante o cumprimento de normas éticas, aspecto muito valorizado pelos editores.
                   Quanto à seleção do periódico, autores e editores concordam que os aspectos escopo do periódico e fator de impacto como muito relevantes, e ranquearam tempo do processo de avaliação, corpo editorial, público-alvo, e país de publicação, e acesso aberto de forma equivalente.
                   As instruções aos autores constituem um aspecto controverso para autores e editores. A grande maioria dos editores (76%) avalia como clara e completa esta sessão.     Autores, por outro lado, que concordam com esta avaliação são apenas 32%. O restante se divide nas categorias: claras, mas incompletas, não claras e completas, e não claras e incompletas. Afortunadamente, esta categoria é escolhida por apenas 1% dos editores e 10% dos autores. De qualquer forma, pode ser uma indicação de que regras mais claras poderiam beneficiar autores, especialmente os de países INNI.
                   Analisados em maior detalhe, a importante questão dos aspectos éticos tem diferentes interpretações por parte de autores e editores. Considerando fabricação de dados, plagiarismo, publicação-salame, autoria, aprovação do protocolo experimental por comitês de ética, conflitos de interesse, e direitos autorais, o único ponto de consenso encontrado foi no aspecto fabricação de dados. Ou seja, autores avaliaram este aspecto como de claro entendimento e editores reportaram-no como o menos frequentemente problema encontrado.  Os demais aspectos, a despeito de terem sido avaliados como de fácil compreensão pelos autores, foram reportados pelos editores como mais comumente encontrados.
                   Quanto às sessões do manuscrito (título, resumo, introdução, materiais e métodos, resultados, discussão, revisão bibliográfica, figuras e tabelas e formatação), as que interpõem maior dificuldade aos autores é a discussão, sessão na qual os editores reportam os maiores problemas encontrados nos manuscritos. Um ponto divergente é quanto ao título, assinalado como desafiante para os autores e considerado uma questão não problemática pelos editores. Ambos os grupos estão de acordo quanto às demais sessões do manuscrito.
                   As etapas do desenvolvimento da pesquisa, da hipótese original, passando pela revisão da bibliografia até discussão dos resultados obtidos e redação seguindo o estilo do periódico foram avaliadas de forma comparável por autores editores, com exceção da hipótese original, considerada desafiante por autores, não foi apontada pelos editores como problemática. Por outro lado, enquanto autores não consideram desafiante seguir o estilo do periódico, editores reportam problemas frequentes neste quesito.
                 Quanto ao processo de submissão, autores e editores concordam que a compreensão dos requerimentos e etapas do processo são desafiantes e aportam dificuldades frequentemente.
O processo de peer review, por outro lado, é crítico para ambos os grupos. A maioria (84%) dos autores declarou que costuma responder ponto por ponto aos comentários dos pareceristas. Entretanto, quase metade dos editores respondentes afirma que os autores se limitam a responder às questões com as quais estão de acordo. Nenhum editor acredita que autores retiram seus artigos do processo de submissão ao receber pareceres complexos e extensos, no entanto, 3% afirmam retirar seus artigos e submete-los a outro periódico sem modificações e 4% incorporam as modificações com as quais estão de acordo antes da submissão a outro periódico.
                  A rejeição dos manuscritos é um ponto importante para ambos os grupos. Autores e editores que responderam a esta questão concordam que estudos que não apresentam inovação são a maior causa para rejeição, seguido de falta de consonância com o escopo do periódico, e conclusões exageradas não embasadas pelos resultados apresentados. Surpreendentemente, ao contrário do que consideram os autores, a redação ruim não é motivo para rejeição, na opinião de editores. Aspectos como metodologia inadequada, tabelas e gráficos mal concebidos e aspectos éticos são compartilhados em igual intensidade por ambos os grupos como motivos para rejeição.
                As respostas fornecidas por autores à questão sobre como reduzir os desafios no processo editorial serviram de matéria prima para a construção de uma tabela que relaciona vários aspectos deste processo (seleção do periódico, preparação do manuscrito, conformação com normas éticas e processo de submissão) com sugestões de ordem prática para torná-lo mais fácil e claro. Estas sugestões, na realidade, poderiam também servir para autores de países emergentes de outras regiões, haja vista seu caráter abrangente.
               Analogamente, as opiniões dos editores quanto à comparação de submissão de artigos por autores do leste da Ásia e de outros países INNI levaram a algumas conclusões importantes. Segundo a maioria dos editores, artigos do leste Asiático e de outros países INNI são similares quanto à consonância com o escopo do periódico, atendimento a normas éticas e adequação ao processo de submissão e revisão por pares.  Opiniões recorrentes sobre quais tópicos eles gostariam de prover treinamento para autores do leste da Ásia incluem temas como plagiarismo e autoplágio, ética em pesquisa, a importância de ter o manuscrito revisado por um revisor de inglês nativo antes de submeter para publicação.
               O sistema de avaliação acadêmica baseado em publicações científicas, muitas vezes exacerbado por indicadores de impacto baseado em citações traz como consequências uma série de distorções, especialmente para países INNI, que são compelidos à publicar em periódicos internacionais em língua inglesa. Ademais, pesquisadores não recebem na graduação ou pós-graduação treinamento formal em escrita científica e sobre o processo de publicação, e a despeito da existência de inúmeras publicações sobre o tema na literatura, é um tema que não dominam adequadamente.

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FONTE: SciELO em Perspectiva, 19/05/2014

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