Exigência legal ameaça pesquisas e testes com humanos

 

Resolução do Conselho Nacional de Saúde preocupa cientistas


A resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) preocupa a comunidade científica quanto ao futuro da pesquisa clínica no Brasil. O texto, que trata de pesquisas e testes em seres humanos, incluiu um item polêmico sobre a exigência no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da informação explícita sobre garantia de indenização. Esse documento obrigatório deve ser assinado por todo aquele que participar de alguma pesquisa, pois a indenização prevê a cobertura material para reparação de dano causado pela pesquisa ao participante da pesquisa.

Na opinião de Marcelo Morales, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), os pesquisadores são a favor das garantias dos direitos dos participantes, mas a questão da indenização causa insegurança aos pesquisadores. "Em trabalhos com células-tronco, por exemplo, os pesquisadores podem se sentir inseguros em aplicar os conhecimentos produzidos nos testes com animais em seres humanos", afirmou ele.

O direito à indenização dos participantes sem que haja segurança ao pesquisador pode ser prejudicial para as pesquisas na área clínica. De acordo com Morales, a questão deve ser discutida entre os pesquisadores e os órgãos governamentais para que uma solução seja alcançada. "Muitos pesquisadores são servidores públicos e recebem recursos públicos para realizar suas pesquisas em benefício da população. Quem vai garantir o direito à indenização? Os pesquisadores, o governo? Isso tem que ser discutido para que possamos gerar segurança tanto para o paciente quanto para o pesquisador", argumentou Morales.

Dentre as exigências da resolução, está a obrigatoriedade de que os participantes, ou representantes deles, sejam esclarecidos sobre os procedimentos adotados durante toda a pesquisa e sobre os possíveis riscos e benefícios. Para o cardiologista Bruno Caramelli, coordenador do Programa de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a resolução reforça o que é justo e já existe na legislação brasileira e estava presente na resolução anterior: responsabilidade e providências em consequência de eventuais danos decorrentes da pesquisa. "Mas a atual redação da resolução, em especial o item sobre o TCLE, pode gerar um ambiente de desconfiança entre pesquisador e participante, levando à não aceitação em participar da pesquisa de um lado e a inibir a elaboração de projetos por parte do pesquisador, receoso de maiores custos envolvidos", explicou Caramelli.

Ainda de acordo com ele, a questão leva receio aos pesquisadores e instituições envolvidas em pesquisa. "Eles têm visto seus projetos serem reprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) por não atenderem este item da resolução, de que pesquisadores sejam acionados legalmente por participantes de estudos e por seus representantes legais, de maneira indevida e crescente, em função do provável efeito indutor da informação", disse.

Segundo Caramelli, a consequência desse fenômeno seria a necessidade de contratação de algum tipo de seguro para pesquisa. "Isso seria extremamente prejudicial ao cenário de pesquisa científica em medicina no país", afirmou.

Quem paga? - Quanto à responsabilidade da indenização, o texto da resolução diz "indenização por parte do pesquisador, do patrocinador e das instituições envolvidas nas diferentes fases da pesquisa". Para Caramelli a questão deve ser analisada por uma comissão independente. "O eventual dano decorrente da pesquisa deve ser analisado por comissão independente, que apontará as devidas responsabilidades sobre o ocorrido e, depois disso, quem deverá arcar com a indenização", sugeriu o cardiologista.

Para Morales é importante definir quem paga, pois a resolução não deixa claro quem vai indenizar o paciente, caso ele se sinta prejudicado. "Se ficar definido que serão os pesquisadores, a partir disso eles vão decidir se querem ou não testar seus resultados em seres humanos. E isso vai atrasar o avanço da pesquisa clínica no país, que certamente será realizada no exterior", ressaltou.

(Edna Ferreira, Jornal da Ciência)

FONTE: Jornal da Ciência, 5/09/2013

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