Leitura para saúde

             Neste texto, o autor faz uma interessante relação entre leitura e saúde. Em tempos de Feira do Livro, nada mais apropriado. Não deixe de ler o texto e de visitar a Feira!!


            O texto linear e sucessivo deu lugar a uma forma plural e simultânea de integração de texto, áudio e imagem.


MARCELO ROCHA*

No final do século 18, a prática da leitura intensiva passou a ser associada a possíveis problemas de saúde provocados nos leitores. Em panfleto de 1795, o historiador Robert Darnton reproduz algumas possíveis doenças que poderiam acometer os quem insistissem em ler, tais como: a suscetibilidade a resfriados, ondas de calor, hipocondria, epilepsia e melancolia.


Um pouco mais tarde, no século 19, tornou-se comum identificar a leitura como problemática para um tipo de público específico: as mulheres. Entendia-se que o público feminino, que não possuía, em sua maioria, ocupações profissionais, teria maior possibilidade de ser governada pela imaginação e pelo prazer. Nesse sentido, algumas imagens faziam a relação, por exemplo, entre a infidelidade e a leitura.


A figura da mulher que se deixa transtornar pelo texto lido tem seu modelo clássico na protagonista Emma, de Madame Bovary, livro de 1857. Na célebre obra de Flaubert, a protagonista, embevecida pelo universo dos livros, tem um final trágico após perceber que a vida dos romances não pode ser cotejada com as frustrações de sua condição amorosa e com cotidiano inexpressivo de um casamento infeliz. No livro, chega-se a comparar o livreiro, que alugava os livros a Emma, a um envenenador.


Do mesmo veneno, a leitura, partilhava Madalena, a professora que se casa com Paulo Honório, no livro São Bernardo, de Graciliano Ramos. Moça de personalidade forte, instruída e independente, Madalena, que parecia frágil, incomoda Paulo Honório, na medida em que se preocupa até com os salários baixos pagos por seu marido fazendeiro aos empregados. Em certo momento, Paulo Honório desabafa: "Não gosto de mulheres sabidas. Chamam-se intelectuais e são horríveis (...) fazem conferências e conduzem um marido (...)".


Veneno ou remédio, o certo é que a leitura emancipa e transforma o leitor. Mas qual seria a prescrição para o pouco interesse pela leitura hoje? É o que indagam inúmeros professores. É evidente que não há uma receita médica. Mas um diagnóstico possível é o de que a nossa forma de ler mudou. O texto linear e sucessivo deu lugar a uma forma plural e simultânea de integração de texto, áudio e imagem que transforma a nossa percepção do mundo. Na lógica contemporânea, a leitura cada vez mais se expande e a literatura aproxima-se dos textos da Comunicação, seja no jornalismo, nas propagandas ou anúncios e, ainda, nas novas práticas de texto possibilitadas por mídias e redes sociais.


O ato de ler um livro ou uma imagem em suportes distintos ao que estamos acostumados volta à tona, com mais força, nas discussões da Feira do Livro de Porto Alegre. Nesse caso, e distante das prescrições antigas, não há emplastro melhor, ou como dizia o poeta "contra fel, moléstia, crime", nada mais prazeroso do que passear por entre os livros, conversar e trocar experiências de leituras nos caminhos da nossa Feira. Para estes momentos, não há contraindicações e, é claro, nossa saúde agradecerá sempre.

*Professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) - Campus São Borja

FONTE: Zero Hora, 25/10/2012. p. 17

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